26 setembro 2005

Pra quem gosta de ler... e tem tempo :)

Esse texto aí foi feito a pelo menos 14 mãos, pelo que me lembro. Foi durante a disciplina de contos que fiz na faculdade, nos idos de 1900 e poucos, hehe. O exercício foi muito legal: cada pessoa começava um texto e cada um dos outros alunos escrevia uma parte. No fim, o texto voltava para autor inicial, que devia finalizar a história. Ou seja: apesar de eu achar que ficou bem engraçadinho, só o comecinho e uma parte maior no final são meus :)

Mania de olhar


Tinha mania de olhar. E, nesses tempos, mania de olhar é coisa rara. Porque ela não olhava simplesmente. Ela observava, reparava, enxergava de fato as coisas. Mas ela se sentia muito sozinha nessa mania. Quando perguntava a alguém “Você viu?”, era sempre a mesma decepção: “O quê? Onde?”. Nem mesmo sua mãe, nem ela via. Talvez Guto, sua paixão, compartilhasse com ela essa mania. Mas ele tinha desaparecido...
Nunca tirara da cabeça que fora sua mãe quem mandara o garoto para longe. Guto também tinha olhos que não viam nada e que viam tudo. O tudo que ele via não era o tudo, mas parte de um todo. Aí que estava o problema. Os dois viam muitas coisas juntos, e isso assustava sua mãe.

A mãe da garota resolveu levá-la ao psicólogo. Depois da primeira consulta, a filha disse:

- Mãe, eu acho que aquela psicóloga não bate bem da cabeça. Tudo o que eu digo para ela, vira outra história, ela inventa uma coisa bem doida. Eu pensei que eu tinha problemas por ver demais, mas a senhora não imagina os problemas dessa psicóloga. Ela imagina demais.

A mãe teve então certeza que sua filha não estava bem. Conversaram e entraram num acordo: iriam novamente ao psicólogo, mas agora seria um psicólogo homem. Para a garota, tanto fazia, mas para satisfazer a mãe, acabou indo. Chegando no consultório, quase não acreditou quando leu a plaqueta: Dr. Augusto Ferreira. Não podia ser! Se bem que Ferreira é um sobrenome comum, com certeza deveriam haver outros Augustos Ferreira além do seu Guto. Quando viu o doutor, teve a certeza: era mesmo Guto.


Para a felicidade da mãe, as sessões de terapia passaram a ser cada vez mais freqüentes e a melhora no comportamento da menina era notável. A mãe estava mais do que satisfeita ao ver sua filha tão tranqüila, estudando direitinho, cuidando do corpo, fazendo bronzeamento, escolhendo com muito cuidado as roupas novas, especialmente a roupa íntima, pois, dizia ela, “ajudam muito a melhorar a auto-estima”.

O tempo foi passando e a garota estava realmente mudada. Comia como nunca e até engordara um pouquinho, apesar das sessões de ginástica. Mas, sendo uma mãe que não via nada, achou que estava tudo bem. Só que não estava. Certa manhã, a menina acordou gritando e chorando muito.


- Chegou a hora – ela dizia – chegou a hora!

A mãe se desesperou e achou que era uma recaída da filha. Mas, como a filha dizia sentir dor, chamou a ambulância. Quando os médicos chegaram, um disse para o outro:

- Ela está em trabalho de parto! Rápido!

A mãe não entendeu nada e o médico, percebendo sua cara aparvalhada, repetiu:

- Parabéns, logo, logo a senhora vai poder segurar seu netinho!

Dentro da ambulância, a mãe, meio assustada, meio decepcionada, perguntou:

- Minha filha, como isso foi acontecer?

E a garota respondeu, meio sem graça, meio irônica:

- Não sei, mamãe, não vi.

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