Desde o começo de 2009, o Enzo freqüenta a mesma escolinha. No fim de 2009, quando ele foi diagnosticado com autismo, a escola foi informada e todos os profissionais envolvidos no tratamento do Enzo foram até lá e colocaram-se à disposição. E 2010 passou, ele evoluindo, com duas professoras carinhosas e que sabiam lidar com os sintomas de autismo que ele apresentava – tanto que eu notava que ele gostava delas e ia contente para a aula.
Mas 2011 veio, a turma mudou. E novamente os profissionais foram à escola, colocaram-se à disposição. Mas desde o começo eu sentia a nova professora muito insegura, e falei muitas vezes pra ela: “ tens que ser carinhosa, mas firme. O Enzo exige mais limite que as outras crianças”. Em reunião do trimestre, tivemos uma longa conversa. Mas ali já escutei – da professora e da diretora – palavras como “atrapalha”, “os outros pais”. Mas conversamos, conversamos, conversamos e achei que tinha ficado tudo certo.
Por outro lado, cada vez mais o Enzo – que não se expressa, apesar de repetir palavras, não relata fatos, nem sentimentos – dava demonstração de que não estava bem. Nunca foi uma criança agressiva – algumas vezes levantou a mão para nós em casa, mas isso normal para a idade. Levou bronca e parou. Mas na escola, começou a empurrar os amigos e bater com o brinquedo quando vinham tentar tirar dele – algo também normal para a idade, mas que precisava ser visto com cuidado. Recebia elogios de todos os profissionais e pessoas que convivem com ele, por estar melhorando o comportamento – mais concentrado, menos birrento – menos na escola. Tiramos a fralda e ele controla bem o xixi (agora com o frio deu uma recaída, mas tava indo bem). Mas na escola, fazia xixi várias vezes na calça.
Para mim, cada vez ficava mais claro que tinha algo errado e, se ele estava bem em TODOS os aspectos, menos na escola, significava que o problema era lá. E falei isso algumas vezes para a professora: “olha, ele tá bem em todos os outros lugares, só aqui que não”. Claro, é o único lugar que ele efetivamente convive com crianças da idade dele, mas também é o único lugar em que pessoas são treinadas e capacitadas para lidar com várias crianças ao mesmo tempo.
A pulga seguia atrás da orelha. E na última segunda-feira, 27 de junho, ao chegar na escola para pegá-lo, às 17h30min, todos os amigos estavam em atividade (pintando, colando, algo assim), menos o Enzo. Perguntei por ele, disseram que ele tinha recém-acordado e estava de “preguicinha”. Não gostei, mas, ok, acontece. Quando foram pegá-lo, tinha feito xixi nas calças e estava todo arranhado (um dos sintomas do autismo dele é a autoflagelação – ele provoca feridinhas no rosto e depois não deixa cicatrizar). Tava mesmo sangrando. Ok, acontece. Fomos pra casa. Quando olhei na agenda, estava marcado que ele tinha dormido até 16h20min. Aí a pulga enlouqueceu e deu volta e voltas na cabeça.
Na terça, claro, fui lá perguntar: “escuta, na agenda tava marcado que ele dormiu até 16h20min, mas eu cheguei vocês disseram que ele tava recém-acordado”. Olhos arregalados na minha frente. A professora respondeu que não, tinha anotado errado, ele tinha dormido até, no máximo 17h. E a pulga enlouquecida. Aí mesmo que questionei: “tá, mas se ele dormiu até 17h e eu cheguei 17h30min, quer dizer que ele ficou TRINTA minutos de preguicinha enquanto todos os outros faziam atividades? Não é muito? Vocês estão excluindo eles das atividades? Qual o motivo de ficar 30 minutos sozinho?”. Ela: “sozinho não, tinha uma professora olhando ele da porta (o quartinho de dormir é separado)”. “Mesmo assim, porque ele não foi chamado para as atividades? E aí claro que ele vai fazer xixi, vocês sabem que ele não pede”. “Ah, tá, vou cuidar mais”. E saí. Mas a essa altura a pulga gritava no meu ouvido: é claro que eles deixaram o Enzo lá, já que ele estava quieto, para as outras crianças fazerem as atividades “em paz”.
Aí, para a minha surpresa, na quarta-feira, vem um bilhete da professora . Reclamando novamente do comportamento do Enzo, pois ele batendo com os amigos com brinquedos, e durante o ensaio da festa julina, andava no meio das turmas empurrando. E que quando iam tentar contê-lo, ele se jogava no chão, gritava, esperneava e levantava a mão para bater (ou seja, as mesmas reclamações da reunião trimestral). E, nesses termos, que o Enzo estava “atrapalhando as atividades” e colocando a escola em “situação difícil” quando chegavam outros pais.
Em nenhum momento, vejam bem, o bilhete diz que está preocupada com o Enzo. E sim com a forma que ele atrapalha as atividades. E o que eu e o Enzo temos a ver com a opinião dos outros pais? Eles Têm preconceitos contra crianças autistas na escola? Ou é porque, como ela não conseguia conter o Enzo, ficava claro que ela não estava capacitada para lidar com um autista? Não entendi bem essa parte, mas de qualquer forma, não faz sentido.
Eu duvido que, se eles tiverem um aluno asmático, vão brigar com a criança, ou reclamar para os pais, quando ele tiver uma crise. “Olha, mamãe, seu filho teve uma crise de asma, que absurdo, vocês devem estar educando errado essa criança”. O que vão fazer é dar os remédios, tomar cuidados extras para que esses ataques não ocorram. O Enzo tem ataques de birra? Sim. Algumas vezes, como qualquer outra criança normal. Algumas vezes, para quem CUIDA e presta ATENÇÃO, para quem realmente se IMPORTA, fica claro que é um sintoma do autismo. É difícil lidar? É. Mas todos os profissionais estavam ali, à disposição. Por que só agora veio dizer que precisava de ajuda?
Por que nunca perguntou sobre a autoflagelação do Enzo, e como fazer quando visse ele se machucando? Por que nunca perguntou como agir quando ele ficava num canto jogando areia na própria cabeça? Quando ele ficava quieto olhando o ventilador por muito tempo? Claro, porque isso não atrapalha o andamento das atividades. Isso não faz ela passar ‘vergonha’ na frente dos outros pais.
Quem me conhece, sabe que eu sou muito, muito ponderada. E ao ficar infinitamente indignada, passei um bom tempo chorando e pensando se eu não estava sendo protecionista, se eu não estava fazendo como aquelas mães que mimam demais os filhos e depois brigam quando a escola diz que ele é mal criado. Mas NÃO. NÃO SOU EU O PROBLEMA, NÃO É MEU FILHO O PROBLEMA. Ele TEM um problema. Mas problema mesmo, e grave, têm essas professoras da turma dele e a coordenação da escola, que não enxergou isso.
Ironicamente, o nome da escola é Espaço Aberto. E desde quarta eu me pergunto: ABERTO para quem?